Américo, o eletricista do hospital
Américo Carvalheiro nasceu em 1932, numa casinha próxima do local onde agora se situa o hotel Arcada e o Hospital. Conhece a quinta da Fonte Quente desde miúdo, quando ia brincar e nadar com os colegas para a lagoa. Mais tarde, bebeu água na fonte, onde corria água quente todo o ano. E contou-nos a história da fundação da Tocha pelo galego João Garcia Bacelar e de como os crúzios eram os donos da quinta antes de ali ser edificado o Hospital Colónia Rovisco Pais (HCRP).
Com apenas 12 anos foi trabalhar como ajudante de eletricista nas obras de construção do HCRP, ganhava cinco escudos por dia e “ajudava a puxar os fios”. Recorda-se que a pedra para a construção era transportada em carros de bois e que, mais tarde, veio um empreiteiro, com uma camioneta a carvão. Explicou que naquele tempo, por causa da guerra, não havia gasóleo, e que os alimentos eram racionados (como o açucar, o café ou o pão) e que o Hospital foi inaugurado quando tinha 14 anos.
Mais tarde, a sua vida profissional passou pela Eletromecânica de Cantanhede e pelas minas de carvão do Cabo Mondego, na Figueira da Foz. Em 1955 regressou ao HCRP como ajudante de eletricista, e ganhava 600$00, por mês. Mas quando se deu o 25 de Abril já ganhava 2.900$00, quantia que explicou ter sido o resultado da bondade “de Marcelo Caetano que nos deu 500$00!”
Casou em 1960 e a esposa, Maria Dalila, também ali trabalhou, primeiro como costureira no Preventório e depois do 25 de Abril, no Hospital.
Quando o Sr. Américo voltou a trabalhar no Hospital, os edifícios estavam lotados. “Havia aqui mais pessoal que certas freguesias! Tinha aqui mais de 1.000 doentes, 15 edifícios… era como uma aldeia!” A construção de três pavilhões, o 7, 8 e 9 ocorreu já depois da inauguração porque “não havia lugar para todos”. “Num local assim, havia sempre trabalho para fazer: reparar avarias, substituir lâmpadas, consertar máquinas de costuras, que eram elétricas…” E quando o Professor Bissaya Barreto operava, “tinha que estar sempre um eletricista, não fosse alguma coisa falhar…”
Sr. Américo, esclareceu que o Hospital foi o primeiro local a ter luz elétrica na Tocha. Acrescentou que alguns anos mais tarde o Sr. Francisco Guimaro, que era brasileiro, pediu a extensão da alta tensão para a sua casa, mas que só em 1952 é que a luz elétrica foi instalada na vila da Tocha.
A entrevista iniciou com a visita ao novo Núcleo Museológico do Hospital Colónia Rovisco Pais e nessa ocasião o Sr. Américo reconheceu a máquina de cinema, que manobrava. Disse-nos que foi muitas vezes às estações de caminhos de ferro de Lamede, Arazede ou da Figueira da Foz buscar as bobines de filmes que o Hospital alugava. “Eram escolhidos pelas irmãs, não podiam ter maldade e muitas vezes eram sobre religião, por isso, nem sempre os doentes se interessam por eles. Reclamavam e eu é que os ouvia!” Partilhou ainda que, quando a máquina se estragava, a levavam à “AB Duarte ou Telbicor em Coimbra” e que numa fase posterior as sessões de cinema deixaram de ser ao ar livre, pois o Dr. Pedroso de Lima (administrador do HCRP) mandou arranjar uma sala para o efeito numa Casa de Trabalhadores, já desocupada.
No final da década de 1950, foram adquiridas televisões, uma para cada edifício – nas salas de convívio e nos núcleos familiares, numa salinha na casa do maioral. “Havia um encarregado que diáriamente ligava os televisores e nós às vezes também íamos lá ver o futebol!”
No percurso vivido ao serviço do HCRP, o Sr. Américo recordou ainda um acidente que podia ter-lhe tirado a vida: “Estava em cima de um poste junto a um grande poço. O poste partiu-se e a minha sorte foi o colega ter puxado a corda, evitando que eu caísse no poço, e me afogasse. Fui parar ao chão e parti três costelas!” Recorda-se bem da alegria com que as “velhinhas do Asilo” o receberam após o acidente – “disseram-me que tinham rezado muito o terço para eu me salvar!”
E não conteve a emoção quando recordou a despedida dos doentes na altura da aposentação – “eles abraçaram-me… Isso fez-me feliz!”
Texto baseado em testemunho oral, em 2022. Validado pelo entrevistado. Entrevista e redação por Cristina Nogueira – CulturAge