Aporte inicial no percurso de José

O Dr. José Azenha Cardoso esteve no Hospital Rovisco Pais como médico de clínica geral entre 1982 e 1986. Recorda que nessa altura já não havia muitos doentes no Hospital e que “a maior parte se encontravam institucionalizados. Eram pessoas que tinham pouca família ou nenhuma, desinseridos socialmente, que tinham vindo para ali, alguns de forma compulsiva, outros não, mas que foram perdendo o enraizamento nas terras de origem e portanto permaneceram na instituição. Existiam alguns doentes de faixa etária mais jovens, mas nunca com menos de 30 ou 40 anos, e às vezes, permaneciam durante algum tempo e depois regressavam à comunidade. Alguns, sendo doentes, também viviam fora do hospital, pois havia um núcleo de doentes ali próximo”. 

 

Naquele período, os doentes existentes estavam nas enfermarias mas ainda existiam famílias nas casinhas dos núcleos familiares e o Dr. Azenha Cardoso sentiu que da parte deles “haveria alguma resignação e complacência, (…) e mesmo os que tinham ficado mais marcados pela doença – os mais velhos, não estavam estigmatizados, inseriam-se na comunidade ali existente e estavam à vontade”. Acrescentou ainda que era percetível que “já tinha sido uma família grande e que na altura já era uma família pequena”, sendo evidente “um bom convívio interpessoal, de apoio e de alguma confraternização quer com a comunidade doente, quer com os funcionários”. 

 

Relativamente à atividade assistencial, a mesma concentrava-se na comunidade interna, consistindo, como conta o Dr. Azenha Cardoso “em dar apoio diário aos doentes. Havia um médico escalado por cada dia da semana e ao fim-de-semana também, no sentido de haver 24 horas de assistência médica. E, portanto nós passávamos pela enfermaria víamos se havia intercorrências na área da medicina geral, porque na área da lepra e da dermatologia havia dois médicos que asseguravam a atividade específica da doença de Hansen na parte da manhã. A partir do início da tarde, entravam os médicos contratados. No fim de tarde e noite, como não dormíamos no hospital, estávamos no bairro dos funcionários e ficávamos à chamada”. Paralelamente davam “apoio aos funcionários, que necessitassem de uma receita, de uma consulta, mas não havia consulta externa. O Hospital não funcionava aberto à comunidade”. 


Em 1986, o Dr. Azenha Cardoso iniciou a especialidade de Estomatologia e saiu do Hospital. Atualmente a sua atividade está vocacionada para a área cirúrgica oncológica. 

 

Sabendo nós, que os doentes de Hansen e seus filhos, no tempo em que funcionava como leprosaria, tinham acompanhamento na especialidade de estomatologia desde 1950, quisemos perceber se a mesma ainda era prestada na altura em que lá trabalhou, se tinha conhecimento dessa atividade e ainda perceber em que medida poderia haver relação entre este facto e a especialidade que veio a seguir. A esta questão, o Dr. Azenha Cardoso respondeu que já não era realizada essa assistência e por isso a escolha da especialidade não se relacionou com estes factos, que desconhecia. 

 

Contudo partilhou o que julga ter sido o contributo que a passagem pelo Hospital Rovisco Pais teve na sua vida profissional dizendo: “Como experiência clínica, numa altura recém-formado, tudo é importante, quando lhe damos a devida importância. Como percurso clínico foi importante porque trabalhei num sector em que muitas vezes os doentes são um bocadinho ostracizados e portanto houve necessidade de encarar isso, numa visão de que se tratava de população que necessita de cuidados como qualquer outro doente e portanto, assim entendido foi e é sempre enriquecedor. Estando numa fase e numa idade em que ainda temos pouca experiência e pouco conhecimento quer da profissão, quer da vida, ainda mais enriquecedora se torna, pois deu-nos bastante arcaboiço para o futuro porque aprendemos a lidar com doentes. Portanto sinto que foi um aporte que veio na altura certa, e que ajudou também ao crescimento como pessoa e como médico, sem dúvida nenhuma!”

 

(Texto baseado em testemunho oral, em 2020, validado pelo entrevistado. Entrevista e redação por Cristina Nogueira – CulturAge)