Fátima, percurso e pesquisa

Fátima Pedrosa Alves nasceu a 22 de janeiro de 1962 no Hospital Colónia Rovisco Pais (HCRP), era a segunda filha (de cinco filhos) de António e Maria, ambos doentes internados no HCRP. Teve pouca convivência com os seus pais e o que foi sabendo sobre eles resulta da sua “pesquisa” quando já era “mais crescida”.  Por esse motivo, o seu percurso de vida foi acompanhado por inúmeras interrogações, às quais tem tentado obter algumas respostas.

 

Desde o nascimento até aos cinco anos esteve na Creche do HCRP e, em 1967 passou para o Preventório. Das recordações que retém durante a permanência na Creche partilhou que “aos cinco anos tinha uma noção de responsabilidade, que algumas pessoas não acreditam. As crianças que não faziam xixi na cama recebiam um prémio e, eu não fazia, por isso, recebi o prémio – fazer as camas, lavar os bacios… Ao princípio eu achava giro, mas depois, queria brincar como os outros meninos, e já não achava graça à situação.” Das inúmeras traquinices que faziam, destacou o seguinte episódio: “depois do almoço íamos fazer a sesta nas caminhas de lona que existiam na varanda da Creche, mas um dia, eu e o Carlos saltámos o parapeito da varanda. Fomos denunciados pelos gritos dos colegas. E quando a vigilante regressou, fomos castigados.”

 

Durante a permanência no Preventório destacou alguns momentos que recordou com saudade. Tais como os cuidados que recebiam quando estavam doentes: – “Levavam as refeições à cama e a sobremesa predileta (banana esmagada com bolacha maria e sumo de laranja). Sentia-me acarinhada quando estava doente!” Ou o seu nono aniversário: – “Até aí comia com colher e passei a comer com faca e garfo. Nestes dias, tudo o que fazíamos era perdoado! E podíamos fazer disparates sem castigos! Era bom saber que podia estar no recreio e ir para os campos, passar as barreiras das silvas e ir ter com as mulheres que trabalhavam no campo…”

 

Mas o momento alto da sua estadia no Preventório era o verão e a ida para a praia: “quando nos diziam que íamos para a Colónia de Férias era uma algazarra! Eu dizia: maravilha podemos vestir calções e não temos que andar de saia! Não havia castigos, era liberdade total. Tomávamos um complexo B, que era doce, e umas vitaminas antes de ir para a praia. Nas costas aplicavam-nos um creme cor-de-rosa, que cheirava a morango. Mas nós gostávamos tanto daquele creme que tentávamos fintar as vigilantes, na esperança de que elas o colocassem outra vez. Era maravilhoso! Lembro-me muito bem do pequeno almoço: café com leite e pão. Ainda hoje, tento encontrar café com leite com aquele sabor e com aquela espuma. Já tentei em vários cafés… Mas não é igual. Ao lanche, era pão com marmelada. Sentavamo-nos em roda, e não eram só meninos do Preventório que iam, havia crianças de vários sítios de Portugal. E, ali, até as vigilantes estavam à vontade!” E continua recordando com emoção as temporadas na praia da Gala, próximo da Figueira da Foz partilhando: “Houve um ano, não sei o que aconteceu, mas quando fazíamos um buraco encontrávamos moedas de 50 centavos e até de 2 escudos e 50 centavos. E, como havia umas senhoras que vendiam pirolitos, nós aproveitávamos, e embora as vigilantes tentassem tirar-nos o dinheiro, às vezes conseguíamos comprar. Era um fartote! A Gala ainda hoje é a minha praia!”

 

Contou ainda que a partir dos 9 anos começou a tomar conta das outras crianças durante o lanche das vigilantes e que quando já eram mais velhinhas, ajudavam a fazer os pequenos almoços. “Um dia, eu e a Edite deixamos cair uma panela de água quente e eu queimei os pés. Recordo-me que tinha umas meias azuis e que a carrinha já estava à espera para nos levar para a escola. A D. Maria Luísa, que era a diretora, insistia que não podia faltar à escola, mas, entretanto, chegou a enfermeira que se exaltou porque eu tinha as meias coladas ao pé e tinham que ser tiradas com uma pinça. Acabei por ficar uma semana sem ir à escola, para recuperação do pé. Mesmo assim, estudei, porque eu queria fazer o teste de matemática. Era uma matéria que eu gostava. Tive 14! Esta, superava as outras notas mais baixas.”

 

A sua relação com a diretora e com algumas vigilantes nem sempre foi fácil, e era castigada muitas vezes. Fátima confessou que “era um bocado irrequieta, desobediente, diferentes das outras crianças”. Por vezes, chamavam-me e eu respondia “já vou, já vou! Demorando”; fugia para os campos para apanhar amoras ou agriões. E quando me batiam eu dizia: “quanto mais me batem mais eu gosto de vocês!” Porque era a minha revolta… Eu sempre fui revoltada, primeiro porque eu não gostava de ser menina. Depois porque fazia tudo o que os rapazes faziam e nós éramos obrigadas a saber o que uma menina devia fazer… Eu não gostava do trabalho doméstico e lavava o chão de pé, como os rapazes faziam…”

 

Outro momento marcante, foi quando fez o exame da quarta classe: “nós tínhamos que vestir roupa nova, feita pelas costureiras. A nossa escola era dentro do Preventório, mas o exame era feito em Cantanhede. Alguns dias antes experimentaram-me um vestido azul às flores, eu não gostava de vestidos, mas como era azul…  No dia do exame atribuíram-me um vestido vermelho e eu disse que não vestia! Então acabei por ir com um vestido cor de laranja.” Ainda se recorda que as perguntas do exame eram sobre Luís de Camões, e confessou que “gostava de estudar, tinha o sonho dos estudos!”

 

Fátima saiu em 1975 do Preventório e ainda se recordou de muitos detalhes da sua passagem pela instituição, conseguindo mesmo desenhar as plantas do edifício do Preventório e recordar algumas das cantigas que cantavam, as quais reproduziu por escrito para oferecer ao Núcleo Museológico, juntamente com um pano que bordou e algumas fotografias das crianças.

 

Durante a infância apenas sabiam que os pais tinham uma doença e que só os podiam ver no locutório. Recorda-se de ir numa carrinha, com os irmãos, visitar os pais. Partilhou algumas recordações destes encontros: “Uma ocasião, o pai e a mãe disseram-nos que tinham umas amêndoas pequeninas. E ainda hoje quando vejo iguais, recordo o Preventório. Outras vezes levavam bolachas de baunilha. E uma vez levaram uma bonequinha. Eu até nem gostava de bonecas, mas como era uma prenda da minha mãe, brinquei com ela no recreio. Eu queria ser cozinheira. Não sei se esta inclinação vinha de família. Fui brincar com a Ofélia e disse-lhe: tu fazes de enfermeira que eu vou para a cozinha fazer o comer. Na areia, eu imaginava uma cozinha, com panelas e fogão… E disse-lhe: Agora pões os bebés na cama, e quando chegar a hora eu chamo-te. O que é certo é que a boneca ficou enterrada, nunca mais a vi, desapareceu!” 

 

Mais tarde, a minha mãe perguntou-nos: o que é que vocês querem no Natal? Eu vou fazer umas camisolas. Uma azul para o teu irmão, verde para o Pedro, e cor de rosa para a Fátima. Eu respondi: Não gosto de cor de rosa. Então ela fez amarela. Numa visita, deu-nos as camisolas. Quando chegamos ao Preventório, a D. Maria Luísa disse para tirarmos as camisolas, que iam para o armazém porque a roupa era partilhada. Só me recordo de as vestir nesse dia…”

 

E continua partilhando as recordações. “Um episódio que ainda me doi solenemente aconteceu com o meu pai. Eu adorava o meu pai. Eu também gostava da minha mãe. Mas, não sei porquê o meu pai tinha um modo de falar que me fascinava. E houve um ano em que o meu tio também lá estava e já estava curado. Os meus pais estavam do outro lado do vidro e o meu pai disse-me: Olha vai aí aparecer um senhor, que é o teu tio Ilídio e tu vais dar-lhe um beijo. O meu tio tinha barba e por isso, eu não queria dar-lhe um beijo. Então o meu pai disse: se eu te der uma prenda tu dás um beijo ao teu tio? Eu respondi: Está bem! E ele deu-me uma caneta. E até hoje gosto de homens de barba! No fim da visita voltámos para Preventório e a D. Maria Luísa, guardou a caneta… Quando vejo uma Parker, recordo-me deste episódio.”

 

E, em relação aos pais, as recordações que tem desse tempo cingiram-se aos encontros no Locutório: “era vê-los lá, não sabia os gostos deles, nós não sabíamos muito. Sabíamos que gostavam de nós, e que queriam saber como estávamos.” Da família conheceu também no Locutório a avó Maria que esteve no Hospital Colónia Rovisco Pais.

 

Sobre a mãe, teve notícias um pouco antes de sair do Preventório: “Eu andava no ciclo da Figueira da Foz e o Preventório já era grande demais para as poucas crianças que existiam. As vigilantes, foram saindo, e foram substituídas por meninas mais velhas, que ficaram a tomar conta de nós. Naquele dia eu vim almoçar e estava na cozinha quando um colega me disse mal da minha mãe referindo que tinha filhos de outro homem. Reagi mal. Deixei o prato cair e corri para a capela do Preventório fazendo a seguinte oração: Não quero ser como a minha mãe, não quero ter filhos e deixá-los num colégio, quero adotar uma criança, e se não me casar até 28 anos, não me caso! Não me casei, não consegui adotar a criança, mas não fui como a minha mãe!”

 

Passado algum tempo a minha mãe telefonou para o Preventório e nesse contacto referiu que estava muito longe, em Lisboa, que eu tinha mais um irmão, chamado João Maria. E quando lhe perguntei pelo meu pai e ela disse-me: o teu pai não está aqui!” Nesta altura, os pais já não se encontrariam no Hospital.

 

As memórias de Fátima prosseguem com o seu percurso após a saída do Preventório: “Quando eu terminei o ciclo disseram-nos que íamos passar férias, uns com a família e outros com outras pessoas e depois voltávamos. Disseram-se que eu iria para Aveiro, para casa de uma senhora, que ficava perto do meu irmão Zé e do meu tio Ilídio. Estive quatro meses nesta casa, mas não vi nem um, nem outro. Passado pouco tempo, a senhora ligou para o HCRP dizendo que queria uma menina mais velha. Que eu não estava na idade de trabalhar e que devia estar a estudar. Queriam ajuda para a lida da casa, para atender uma loja e para ajudar no campo. Ora eu não conhecia a moeda portuguesa, não percebia nada da vida. Eu vinha de um espaço completamente fechado…. Foram-me buscar e a senhora deu o dinheiro à assistente social. Era uma nota azul e três castanhas. Acho que eram 250 escudos, pelos quatro meses que lá estive. Quando me foram buscar a Aveiro, eu pensei que ia para o Preventório estudar. Porque quando saímos disseram-nos que nós íamos continuar a estudar porque o Professor Bissaya Barreto dava dinheiro para as crianças continuarem a estudar. Eu esfreguei as mãos de contente “vou para o Preventório outra vez!” A assistente social disse, não vais para o Preventório “porque tu passavas o tempo a subir às arvores, não estudavas, eras uma maria-rapaz… Eu respondi: Quer que lhe diga as minhas notas?  E, nessa altura, pensei: Se eu via os meus pais através de um vidro, a partir do momento em que saí eu devia estar com eles. Por isso, perguntei: porque não ia para junto dos pais? Mas disseram-me que não sabiam onde eles estavam.”

 

Depois desta experiência, Fátima passou ainda por outras instituições, entre elas a Obra de Santa Zita e a Casa de Formação Cristã da Rainha Santa, ambas em Coimbra, e algumas vezes como criada de servir em casas onde, por vezes, se sentiu desprotegida e, nem sempre, bem tratada. Confessou que: “sem pai, sem mãe… sentia-me sozinha!” por isso, alimentava a ideia “Eu tenho que saber dos meus pais! Eu não nasci do ar, eu nasci de alguma coisa! O meu objetivo sempre foi ter um pai e uma mãe, porque se eu os conhecia através do vidro, tinha direito a eles!”

 

Foi durante a sua estadia na Casa de Formação Cristã da Rainha Santa que soube finalmente notícias do pai. Fátima tinha então 16 anos e voltara a estudar à noite. Recordou este momento da seguinte forma: “A Madre Assunção chamou-me e perguntou-me o que eu mais gostava de receber. Eu respondi: umas calças da Lóis, porque estavam na moda. Ela disse-me: Não é isso. E eu disse: um relógio grande. Mas também não era. Então ela insistiu: Mas não tens um sonho, um desejo? E eu respondi: Ter um pai e uma mãe. Ela disse-me eu tenho aqui uma carta. E eu arrepiei-me. Nunca ninguém me escrevia. Ela disse-me: Tens aqui uma carta do teu pai! Foi então que eu esqueci tudo. Eu fiquei com a carta do meu pai. Não fiz mais nada, fiquei só a reler a carta do meu pai… se me mandassem fazer algo, fosse o que fosse, eu dizia: não faço! E o meu pai, naquela carta, dizia uma coisa muito simples: filha é altura do 25 Abril, as fronteiras de Lisboa estão com tropas, mas deixa passar isto que eu vou buscar-te. Isto em 1977. Porque a psicóloga tinha encontrado o meu pai e deu-me a morada do meu pai. Portanto eu fiquei a saber do meu pai, mas não sabia da minha mãe. Escrevi várias cartas. Tanto que as primeiras cartas que eu escrevi ao meu pai, perguntava sempre como estava a minha mãe, o meu irmão. É isso que eu procurava. Porque era o que eu pensava… Eu fiquei sempre com ideia que o meu irmão mais novo era filho do meu pai. Quando recebi a carta foi uma alegria. Pelo menos pai já tinha, abençoado pai que me tinha dado a caneta!”

 

Fátima refere que no mesmo dia em que recebeu aquela carta, durante a madrugada: “a mesma freira levanta-me, acorda-me cedo e diz assim a seco: Fátima tens que ir ao enterro do teu pai! O teu tio Ilídio e o teu irmão Zé, estão no comboio para te levarem ao enterro.” Na cabeça de Fátima surgiram muitas interrogações: “Como é que eu acabo de receber uma carta, no dia 22 de Abril, e agora vou ao enterro dele?” Fátima conta que durante a viagem de comboio soube que o pai tinha falecido no Hospital de S. José, em Lisboa, vítima de cirrose. “Foi nessa altura que eu soube que o meu irmão mais novo não era filho do meu pai e que era filho do meu tio Ilídio. Ele disse-me cobras e lagartos da minha mãe. Referindo que ela é que tinha tido culpa. E nessa altura, eu responsabilizei o meu tio pela morte do meu pai. (…) Mais tarde, numa visita a Aveiro, a minha tia começou a contar histórias da minha mãe e do meu tio quando eles estavam no hospital e segundo ela, ele já se atirava à minha mãe quando era casada com o meu pai.”

 

E assim, desde a adolescência que Fátima tem tentado completar um puzzle de informações para perceber a sua história e a dos seus pais, perguntando e ouvindo aqueles que os conheceram. Entretanto soube que os pais se casaram no dia 14 de agosto de 1962 na Igreja de Mata Mourisca, durante uma licença provisória do Hospital. Soube também que viveram numa das casinhas dos Núcleos Familiares do HCRP e que o pai saiu do Hospital primeiro que a mãe.

 

Além dos pais, Fátima, acalentou a ideia de reencontrar os irmãos: Zé, Pedro, Guida e Fernando, todos nascidos no Hospital Colónia Rovisco Pais. “Fui procurando. Tentando saber onde estavam” e soube que o Zé tinha saído do Preventório para casa dos tios em Aveiro, o Fernando para a Casa do Gaiato, a Guida para casa de um casal que tinha estado no HCRP. “E o Pedro pensava que o tinha perdido de vez. Mas encontrei-o, por acaso, pois ele estava numa instituição em Bencanta, perto da casa onde então trabalhava. Eu tinha 17 anos e ele quase 16. A partir daí nunca mais o perdi!”

 

 

Entretanto, o seu tio Ilídio, que era seu tutor desde o falecimento do pai, veio buscá-la a Bencanta e levou-a para uma instituição junto à Capela de São Roque no Porto, onde conheceu uma prima. Deste local, Fátima recordou o seguinte: “Era um colégio cheio de percevejos que vivia à custa da caridade. Eu tentei fugir da instituição, mas ainda estive ali um ano. As meninas que iam para lá eram de todo o tipo: drogadas, prostitutas, violadas, abandonadas pelos pais. Eram tudo, raparigas que a sociedade não aceitava ou que não se enquadravam na sociedade. Nessa instituição encontrei uma colega minha do Preventório. Ela tinha uma deficiência numa perna. Os familiares eram pobres e a mãe e o padrasto aproveitaram-se dela e puseram-na na prostituição dizendo-lhe: tu é que vais ganhar a nossa vida.”

 

 

Regressando a Coimbra, Fátima foi trabalhar para casa de uma enfermeira, que conseguiu localizar a mãe. “Um dia disse-me que tinha uma carta da minha mãe, e mandou uma fotografia do meu irmão João. A carta dizia: “Filha temos que conversar. Como estão os teus irmãos? Já falta pouco, vamos ver, se nos vemos no Natal. Eu fiquei toda contente! Desilusão! Muita desilusão! Porque eu fui naquela onda que era agora que eu vou saber a verdade. Tinha 18 ou 19 anos!”

 

 

Já a trabalhar noutra casa, a família que servia mudou-se para Oeiras e nessa altura Fátima manteve correspondência com a mãe dando-lhe notícias dos irmãos. O reencontro ocorreu quando Fátima tinha quase 20 anos e foi passar o Natal com a mãe. Nessa ocasião, Fátima percebeu que a ligação que ela tinha com João, filho que nunca tinha sido institucionalizado era mais forte do que com os restantes. 

 

 

O contacto com a progenitora foi mantido, por telefone, por carta, mas nem sempre linear. Nestes contactos, Fátima questionou diversas vezes a mãe, sobre a razão de nunca os terem ido buscar ao Preventório, mas as respostas eram evasivas “ó filha isto já passou”. “Quando ficávamos sozinhas ia contando: o teu pai e eu vivíamos num quarto em Lisboa. E ele achou que até termos uma casa em condições era melhor ficarem lá.” Outra vez, deixou escapar que o pai “era alcoólico e maltratava-me.”

 

Quando Fátima perguntava à mãe sobre a sua história e sobre a família dela, ela também não dava muitos detalhes. A única coisa que lhe contou foi: “o teu avô foi para o Brasil, depois enviou uma carta de chamada, e a tua avó também foi, levando um filho, tio de Fátima. A minha mãe foi criada com a madrinha enquanto não teve filhos, depois passou de filha a empregada. E foi nesta fase, que apanhou a doença, acabando por ir para o HCRP.”

 

 

Fátima contactou com a mãe até esta falecer, em 2018. E já no funeral, junto à urna, Fátima confessou ter dito à mãe: “você morreu sem me dizer a verdade!”

 

 

A consulta recente do arquivo do HCRP permitiu que Fátima soubesse que o pai era natural de Paredes de Coura e foi internado em 1949, com apenas 12 anos, tendo tido alta provisória em 1963 e não voltando a estar internado. Que a mãe era natural de Mata Mourisca (Pombal) e foi internada com 20 anos em 1953, tendo alta antes de 1963, foi reinternada diversas vezes por gravidez e por questões sociais, saindo definitivamente do Hospital em 1969. E que, perante as novas orientações para o Preventório, onde deixou de haver condições para acompanhar adolescentes, devido à inexistência de pessoal especializado, os seus pais foram procurados diversas vezes pela polícia, a pedido do Hospital para tomarem a cargo os próprios filhos, sem sucesso. 

 

 

 

 

 

Texto baseado em testemunho oral, em 2022. Validado pela entrevistada. Entrevista e redação por Cristina Nogueira – CulturAge