Memórias de uma médica
Saudade desenvolveu a sua atividade profissional como médica do Hospital Colónia Rovisco Pais entre 1965 e 1980. Iniciou como segunda assistente e terminou como chefe de serviço. Numa fase inicial viveu no bairro de funcionários que existia naquele hospital.
Antes de ir trabalhar na Tocha fez um estágio com o Professor Juvenal Esteves, membro do Conselho Técnico de Leprologia e um dos especialistas da doença no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
Inicialmente no Hospital Colónia Rovisco Pais exercia clínica geral no Pavilhão 7 – de infetocontagiosas, e nos cinco Núcleos Familiares, quando ali era chamada. Mais tarde, a sua atividade clínica centrou-se no edifício do hospital, que dispunha de enfermarias para mulheres e homens, um bloco operatório e laboratórios muito bem equipados.
No Hospital realizou alguns partos, dado que apesar de haver especialistas em obstetrícia, não se encontravam em permanência. Neste domínio acabou por se revelar útil o trabalho final de licenciatura sobre obstetrícia, realizado na sequência de um estágio na Maternidade em Coimbra. Os partos eram realizados na pequena maternidade que existia junto ao serviço de cirurgia, no edifício do hospital. Logo após o parto, o bebé era entregue aos cuidados da Creche. Os pais podiam visitá-lo no locutório, junto à portaria do Hospital Colónia Rovisco Pais.
Recorda-se que no início da sua atividade médica no Hospital ainda havia lotação total de internados. A maioria eram doentes com a variante lepromatosa. Os outros tipos de lepra acabavam por ter alta mais rápido.
As altas eram concedidas caso tivessem vários testes negativos e não apresentassem nenhuma lesão ativa. Após a alta, os pacientes passavam quase sempre a ser acompanhados de forma ambulatória, em visitas regulares, pelas brigadas médicas.
Participou em algumas destas brigadas e recorda que este serviço era cansativo. Faziam viagens de norte a sul do país, e cada saída podia durar semanas. Nas zonas mais endémicas, como o distrito de Leiria, havia postos de consulta em diversas localidades (Guia, Pombal e Leiria) onde iam pelo menos uma vez por mês.
A par do testemunho oral aqui apresentado, a pesquisa dos arquivos e da biblioteca do antigo Hospital Colónia Rovisco Pais tem possibilitado o estudo e enquadramento dos fatos, bem como o conhecimento da história daquela doença e desta instituição ao longo das várias décadas de existência.
Assim, ainda que não tenham sido referidos pela entrevistada, não deve deixar de se sugerir como complemento a esta entrevista a leitura de dois artigos da sua autoria publicados em 1964 na Revista Portuguesa de Hansen – Rovisco Pais que permitem conhecer a ação médica que era desenvolvida no hospital na época em que ali trabalhou. O primeiro artigo intitulado “Aspetos patológicos e sanitários da classificação”, descreve as três formas conhecidas de Lepra – Lepromatosa, Tuberculoide e Indiferenciada – e respetivas caraterísticas. No segundo artigo, intitulado “Aspetos patológicos e sanitários da classificação”, efetuou uma revisão da literatura sobre o tema e compara-a com resultados obtidos no hospital.
Ambos os artigos fornecem uma panorâmica geral sobre os conhecimentos científicos e práticos da doença e do seu tratamento naquela época.
(Baseado em testemunho oral, em 2020. Entrevista e redação por Cristina Nogueira – CulturAge)